
Carlos Lupi e Lula: presidente cobrou explicações do ministro da Previdência sobre fraudes no INSS. (Foto: Ricardo Stuckert/PR).
Cacoal, RO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mobilizou ministros para tentar conter uma nova crise no governo, deflagrada pela descoberta de uma fraude de até R$ 6,3 bilhões no sistema do INSS entre 2019 e 2024.
Segundo a investigação da Polícia Federal, parte do pagamento de benefícios para um número ainda não definido de aposentados era desviado para as contas de organizações suspeitas. O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e funcionários de alto escalão do órgão foram afastados de forma parcial por ordem da Justiça. As investigações correm sob sigilo.
Lula foi informado da operação por volta de 6h20 desta quarta-fera (23) pelo diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e pelo ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques Carvalho, no momento em que a Operação Sem Desconto era deflagrada.
O presidente então mobilizou o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para dar explicações à imprensa, e cobrou o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), responsável pela indicação do presidente do INSS.
Segundo integrantes do Planalto, o presidente quer saber por que Lupi não tomou nenhuma atitude em relação ao caso investigado, pois a pasta recebeu os dados que mostram o crescimento da arrecadação por parte das associações aos longo dos últimos anos.
Segundo o ministro da CGU, Vinicius Marques Carvalho, os descontos da folha de pagamento dos aposentados em favor de associações foram detectados inicialmente entre 2016 e 2017.
Ele não informou quantos eram regulares e quantos não eram. Carvalho afirmou que, em 2021, 15 associações receberam essas verbas. Em 2023, já no governo Lula, o número mais que dobrou, chegando a 33 entidades.
Ainda segundo o ministro da CGU, em 2022 as associações receberam R$ 706 milhões. Essa cifra saltou para R$ 1,2 bilhão em 2023 e R$ 2,8 bilhões em 2024.
Segundo Carvalho, até 6 milhões de beneficiários podem ter sido afetados. Ele disse, porém, que não necessariamente os descontos de R$ 6,5 bilhões foram fraudados. Conforme o próprio ministro, uma amostra de 1,3 mil casos demonstrou ilegalidades em 97% deles.
"A gente tem a consciência muito tranquila", disse ministro sobre as fraudes no INSS
Atendendo ao chamado de Lula, Lupi e Lewandowski defenderam o governo em uma entrevista à imprensa no início da tarde.
Lupi afirmou que há cerca de um ano o governo colocou na plataforma digital do INSS uma opção para que o beneficiário pudesse cancelar o desconto em folha. Segundo ele, 13 associações investigadas podem representar em torno de 80% dos descontos. Ele disse que a maioria começou a operar antes de 2022 e apenas uma mudou de nome e teve seu registro confirmado em 2023.
“A gente tem a consciência muito tranquila. Nós queremos punir exemplarmente qualquer cidadão e cidadã que tenha cometido erros, malfeitos, crimes e repito, o nosso papel, a orientação do presidente Lula diretamente dada a mim é defender os nossos aposentados e pensionistas e por isso nós estamos agindo”, afirmou.
Lewandowski afirmou que o caso já vinha sendo investigado desde 2023 pela CGU. "O que eu queria ressaltar é o seguinte: o papel da Polícia Federal é um papel de polícia de Estado, absolutamente republicana e investiga o que for necessário doa a quem doer inclusive cortando na própria carne se for preciso”, afirmou.
Quem são os servidores afastados do INSS
Foram afastados dos cargos:
o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto;
o diretor de Benefícios, Vanderlei Barbosa dos Santos;
o procurador-geral do INSS, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho;
o coordenador de suporte de atendimento ao cliente, Giovani Batista Fassarella Spiecker;
o coordenador geral de pagamento de benefícios, Jucimar Fonseca da Silva; e
um policial federal que não teve a identidade revelada.
O diretor da PF, Andrei Rodrigues, disse que o policial afastado está lotado em São Paulo e atuou diretamente com o grupo criminoso dando suporte. Ele estava cedido ao INSS e teria usado o cargo na PF para atuar em benefício aos criminosos. Ele também foi alvo de busca e apreensão.
Segundo Lewandowski, foram instaurados 11 inquéritos, um considerado "inquérito-mãe" em Brasília e outros dez em estados onde o esquema teria atuado. Dos 211 mandados, seis eram de prisão, mas apenas três pessoas foram presas e três são consideradas foragidos. Todos são contra líderes sindicais lotados em Sergipe.
Segundo o ministro da CGU, Vinicius Marques Carvalho, a apuração administrativa sobre suspeitas de fraudes iniciou em 2023, quando se observou que “aparentava existência de operação criminosa”, mas somente no início deste ano o caso foi levado à PF que fez a instauração dos inquéritos.
Como funciona o esquema de descontos indevidos de aposentados do INSS
O esquema bilionário de desvio apurado por PF e CGU consistia no desconto, sem autorização, de parte do benefício pago a aposentados do INSS. Em vários casos relatados à Gazeta do Povo e noticiados por outros veículos, os valores eram próximos de R$ 70 por mês, mas há casos de descontos ainda maiores.
O dinheiro era repassado a associações que supostamente prestavam serviços aos aposentados – assistência jurídica, financeira e de saúde, entre outros.
Nos casos investigados, os aposentados pelo INSS não eram de fato filiado a tais associações, nem haviam autorizado qualquer desconto. As entidades conveniadas ao INSS, porém, afirmavam ao instituto que tais segurados eram seus associados. E, com isso, conseguiam que o órgão fizesse o desconto em folha e repassasse o valor a elas.
A maioria dos beneficiários percebia a irregularidade ao notar que o benefício mensal estava vindo menor do que deveria. Ao checar o holerite, notava descontos em favor de associações que desconheciam.
No ano passado, o instituto já acumulava 130 mil denúncias sobre descontos não autorizados de segurados da Previdência. O número equivale a 2% do total de 6,5 milhões de associados a entidades vinculadas ao INSS.
Na época, a Gazeta do Povo divulgou queixas de aposentados e pensionistas que afirmavam ter sido cobrados, sem autorização, por entidades associativas.
Descontos indevidos eram repassados a empresas conveniadas ao INSS
As fraudes têm origem em Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados com entidades para a prestação de serviços aos aposentados. Tais associações têm acesso a informações de contato dos segurados.
As entidades oferecem assistência jurídica, financeira e de saúde, além de benefícios como descontos em redes de farmácias, cobertura para exames médicos, serviços residenciais e auxílio-funeral.
A mensalidade, no entanto, só pode ser descontada diretamente da folha de salário se a filiação for aceita pelo beneficiário. Ou seja, se ele de fato for associado à entidade.
Nem sempre é o que acontece. Frequentemente, adesões são feitas sem autorização ou mesmo conhecimento do segurado do INSS. Muitos aposentados alegam não ter aceitado a cobrança e estar sendo descontados. Outros dizem que contrataram algum serviço e, em meio aos documentos assinados, acabaram autorizando o desconto sem perceber.
Segundo o ministro da CGU, as entidades investigadas não tinham estrutura para prestar os serviços declarados, e 72% nem sequer entregaram ao INSS documentação necessária para renovação de seus convênios em 2023, primeiro ano do governo Lula.
Essa documentação é fundamental para que mantivessem seu funcionamento, mas mesmo assim continuaram operando e recebendo o dinheiro descontado dos aposentados. Mesmo que estivessem regularizadas, o desconto em folha só poderia ter ocorrido com a concordância do beneficiário, o que não ocorreu na maioria dos casos.
“Onze entidades foram alvo de medidas judiciais [nesta operação]. Somente uma delas assinou acordo em 2023 com o INSS, as demais tinham convênio antes de 2023”, descreveu.
Lewandowski não quis detalhar a quais crimes os servidores do INSS afastados e alvos da operação devem responder, justificou com o segredo de justiça sobre a investigação e que esse será um passo a ser dado a partir de agora para identificar o “modus operandi” de cada operador na organização.
Os convênios com todas as associações e sindicatos com recebimento desses valores, independente de suspeita ou não de irregularidades, serão encerrados por uma decisão administrativa da CGU, “para um freio de arrumação e reorganizar o sistema”.
Na tentativa de evitar novas fraudes, o INSS ainda vai implantar um sistema de biometria com assinatura eletrônica para confirmar adesão a esses convênios, mas não foi confirmado quando o sistema estará operando.
Segundo o diretor da PF, Andrei Rodrigues, a operação não é o desfecho, mas um "passo importante e inicial" em uma investigação que está apenas no começo. “Estamos atuando em três eixos: das entidades e dos operadores; dos diretores e operadores financeiros; e dos servidores alcançados pela investigação”, disse.
Auditoria do INSS apontou irregularidades em 55% dos descontos analisados
No ano passado, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, havia prometido que o INSS iria “agir duro contra fraudes e irregularidades”. Uma portaria, publicada em 15 de março, criou novas regras para filiação às entidades para dificultar as transferências indevidas. Mas ficou longe de ter resultado efetivo e as denúncias continuaram.
A repercussão na mídia no ano passado levou Stefanutto a solicitar a auditoria em maio. A investigação confirmou as cobranças indevidas.
Com base em uma amostra, a auditoria estimou que pouco mais da metade das filiações a essas associações foi feita de modo irregular. De 603 filiações, 332 não tinham documentos necessários para autorizar os descontos em folha de pagamento dos aposentados.
Foram constatadas imprecisões em assinaturas dos aposentados para suas filiações ou mesmo a ausência delas, além do uso de “laranjas” (pessoas ou entidades de fachada) de empresários para a celebração dos contratos.
O documento completo, enviado como base para investigações da PF e da CGU, deram conta de que o total das entidades com acordos de cooperação técnica faturou cerca de R$ 2 bilhões com contribuições descontadas diretamente da folha de pagamento.
As associações acusadas nos processos judiciais de descontos indevidos, diz o relatório final, aumentaram de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões seus rendimentos mensais em apenas um ano.
Na conclusão de sua auditoria, o INSS admitiu que o total de descontos pode ser ainda maior que o calculado. “Considerando os descontos identificados, a regularidade da consignação não foi comprovada quanto à apresentação dos documentos para 55% da amostra”, afirmou o documento da auditoria.
Ficava assim, explícito que a diretoria de benefícios do INSS foi negligente na obrigação de fiscalizar entidades conveniadas, aceitando novos ACTs com associações acusadas de fraude.
Mesmo assim, as entidades identificadas não foram descredenciadas e seguiram autorizadas a descontar as mensalidades dos beneficiários.
INSS e governo cometeram vários erros, diz especialista
O especialista em Direito Previdenciário Washington Barbosa afirma que o INSS cometeu vários erros no caso dos descontos indevidos. O primeiro é que o órgão não suspendeu imediatamente convênios denunciados por aposentados. "Ele não fez isso. Várias dessas associações são reincidentes. Por que não suspenderam o convênio?", diz.
O INSS também resistiu a fazer o ressarcimento dos valores devidos aos aposentados. Mesmo quando reconhecia o problema e cancelava o débito automático, o órgão se recusava a fazer a devolução do que foi cobrado indevidamente, deixando a cargo do aposentado procurar a associação e tentar receber o dinheiro de volta.
"Depois de várias decisões judiciais, agora o INSS está ele mesmo devolvendo o dinheiro e buscando a recuperação junto à associação", diz. "Nesse caso, é a chamada culpa 'in vigilando'. O INSS deixou de vigiar e tomar as precauções devidas. Por isso é que o INSS é quem precisa devolver o dinheiro ao segurado e depois buscar o ressarcimento", afirma Barbosa.
Outra falha, segundo o especialista, está na falta de orientação aos aposentados. "O governo federal, o Ministério da Previdência, tem responsabilidade sobre isso. Por que, com toda essa verba de comunicação que o governo tem, não desenvolve uma campanha de esclarecimento? Divulga tanta bobagem. Por que não faz isso? A responsabilidade é do governo federal", diz.
Como fazer o cancelamento de um desconto indevido do INSS
Os aposentados e pensionistas do INSS devem fazer a checagem do extrato de pagamentos (contracheque) para verificar se existem descontos indevidos em prol de associações desconhecidas. O pedido de exclusão do débito pode ser feito de forma automática pelo aplicativo ou site Meu INSS.
Na tela inicial aplicativo, é precio clicar em consulta de "mensalidade associativa". Em seguida, uma funcionalidade no aplicativo/site permite a verificar o desconto no pagamento e fazer o pedido de exclusão e/ou bloqueio através do serviço "exclusão de mensalidade de associação ou sindicato" e/ou "bloqueio de mensalidade de associativa". O serviço também pode ser solicitado pela Central 135 ou diretamente às entidades associativas.
Fonte: Por Por Juliet Manfrin - Por Rose Amantéa - Por Wesley Oliveira