A Lava Jato e o abismo moral de Lula

A Lava Jato e o abismo moral de Lula


Nadine Heredia e Ollanta Humala, durante desfile militar em Lima em 2015 (Foto: Luis Enrique Saldaña/Ministério da Defesa do Peru/Wikimedia Commons).

CACOAL RO
- O ano era 2017 e a Lava Jato, no Brasil, avançava, com revelações de novos escândalos de corrupção a cada semana. Dilma já havia sofrido impeachment, Eduardo Cunha, Antônio Palocci e João Vaccari Neto estavam presos, assim como diversos diretores da Petrobras e outros agentes políticos. Lula respondia, em liberdade, as ações penais relativas ao apartamento do Guarujá e do sítio de Atibaia. As grandes empreiteiras brasileiras, após terem inicialmente negado qualquer má conduta, começaram a contribuir com as investigações, buscando celebrar acordos de leniência. Nesse cenário, começaram a surgir evidências de que elas teriam também pago suborno a agentes públicos estrangeiros a fim de obter contratos e favores para obras e serviços no exterior.

Recebi neste mesmo ano um convite para participar de uma conferência da Federação Latino-americana de Magistrados em Lima, no Peru. Nesse tempo, a fama da Lava Jato já havia atravessado as fronteiras brasileiras. Coincidentemente, nessa mesma semana, surgiram no Peru as primeiras notícias de que a Odebrecht era suspeita de ter efetuado pagamentos milionários não declarados à campanha eleitoral de Olanta Humala à presidência em 2011. Naquele mesmo ano, em julho, Humala e sua esposa, Nadine Heredia, tiveram a sua prisão preventiva decretada pela Justiça peruana.

Reabilitar Lula foi um grande erro judiciário e político. O Brasil, antes admirado por combater a corrupção, hoje recebe lições da Justiça do Peru e se tornou um refúgio para corruptos

Em Lima, minha visita teve ampla repercussão, embora eu tenha me limitado a realizar uma palestra técnica no evento de magistrados e a compromissos institucionais. Não concedi entrevistas e não comentei sobre os casos concretos do Brasil ou do Peru. Na viagem, pude constatar a admiração com que os peruanos viam os esforços anticorrupção realizados no Brasil com a Lava Jato e um desejo de reproduzi-los naquele país.

Atualmente, a situação se inverteu completamente. O Peru avança nas apurações e responsabilizações. Depois de um longo processo, Olanta Humala e sua esposa foram condenados por corrupção e lavagem de dinheiro a 15 anos de prisão. Outros ex-presidentes também respondem ou responderam investigações e processos por terem recebido suborno da empreiteira brasileira. Alejandro Toledo, que precedeu Humala, está preso após ter sido extraditado dos Estados Unidos. Pablo Kuczynski teve que renunciar à presidência diante de desdobramentos das investigações, enquanto outro presidente, Alan Garcia, suicidou-se diante da revelação de escândalos e da perspectiva de prisão.

Enquanto isso, no Brasil, foram desmontados os mecanismos de prevenção e combate à corrupção. As condenações contra Lula foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, assim como as proferidas a partir da Lava Jato contra outros agentes políticos como José Dirceu e João Vaccari Neto. Em nenhum desses casos, a inocência dos condenados foi afirmada ou mesmo foram refutadas as provas.

A corrupção na Petrobras, amplamente reconhecida por todos, ficou sem sujeito. As decisões do STF fugiram à boa técnica jurídica, o que é evidenciado pelos votos vencidos e a abundância de provas ignoradas. Até mesmo condenações amparadas em confissões dos envolvidos, inclusive com devolução de dinheiro roubado, foram anuladas. O retrocesso foi também estrutural, como ilustram, por exemplo, a reversão do precedente que permitia a execução da condenação em segunda instância e a suspensão por mais de um ano da vigência da lei das estatais para que Lula nomeasse quem bem entendesse para dirigi-las.

Como se não bastasse, o Brasil foi surpreendido, na última semana, com a concessão de asilo pelo presidente Lula a Nadine Heredia. Após ter sido condenada criminalmente no Peru, ela refugiou-se na embaixada do Brasil em Lima, e obteve, em velocidade impressionante, a concessão de asilo político pelo governo brasileiro. Para aumentar a indignação, Lula enviou um jato da Força Áerea Brasileira (FAB) para trazê-la ao Brasil.

Reportagem de O Globo da jornalista Malu Gaspar, autora de livro sobre o escândalo da Odebrecht, revela bastidores do acerto criminoso no sentido de que a empresa teria efetuado os pagamentos a Humala e à Heredia a pedido do próprio Lula (“Quem manda é ela”). Oportuno lembrar que, em um celular apreendido com Marcelo Odebrecht, foi identificada uma planilha eletrônica com o título “Conta 1 - Programa Especial Italiano”, com diversos lançamentos de receitas e despesas que representariam uma espécie de “conta corrente” existente entre a Odebrecht e Antônio Palocci. Ali constam lançamentos de débito de R$ 4,8 milhões a título de “Programa OH” em 2011, em provável referência aos pagamentos ilegais feitos à campanha de Olanta Humala.

Todo o cenário revela o abismo moral no qual o Brasil se encontra no novo mandato presidencial de Lula. Reabilitar Lula foi um grande erro judiciário e político. O Brasil, antes, na época da Lava Jato, admirado por combater a corrupção, hoje recebe lições da Justiça do Peru e se tornou um refúgio para corruptos.

Fonte: Por Sergio Moro