Terras raras colocam Brasil em evidência no mercado global

Terras raras colocam Brasil em evidência no mercado global


Brasil tem 35% do território mapeado para potencial mineral, mas enfrenta desafios para a extração de terras raras. (Foto: Divulgação/Meteoric Resources).

Porto Velho, RO
- A descoberta de novas reservas de terras raras pode conceder ao Brasil o protagonismo no mercado global de minerais fundamentais para a produção de dispositivos eletrônicos. São 17 metais da tabela periódica que possuem propriedades ópticas e magnéticas especiais, essenciais para o funcionamento de lâmpadas fluorescentes, fibras ópticas para telecomunicações, lasers, reatores nucleares de submarinos, aparelhos médicos e até refinarias de petróleo.

A projeção do novo relatório da Deloitte e da AYA Earth Partners, empresas com foco em ações voltadas à transição para uma economia de baixo carbono, é que o Brasil possa ocupar um lugar de liderança mundial na transição energética. Os minerais podem ser usados na fabricação de ímãs de alta performance, utilizados em turbinas eólicas e em motores de veículos elétricos.

Os dados apontam que o país possui um potencial que pode agregar R$ 243 bilhões por ano ao produto interno bruto (PIB), nos próximos 25 anos, com atividades de extração, processamento e refino dos recursos. As reservas mundiais foram revisadas com base em informações de governos e empresas. O total conhecido de potencial para extração decresceu de 110 milhões de toneladas, em 2023, para 90 milhões de toneladas de terras raras, em 2024.

De acordo com a edição 2025 do U.S. Mineral Commodity Summaries, a China está na liderança, com 49% das áreas conhecidas para exploração do elemento. O Brasil aparece em segundo lugar, com 23%, bem à frente da Índia, na sequência com 7,7%. Em 2024, o Brasil foi apontado como segundo em reservas, devido a uma revisão do potencial do Vietnã.

A procura por terras raras tem sido chamada de "corrida do ouro do século 21" e é a moeda de troca do presidente americano Donald Trump para o apoio à Ucrânia contra a Rússia. O republicano quer garantir que os Estados Unidos possam extrair os materiais em solo ucraniano, já que 80% do seu fornecimento é proveniente da China, que posicionou o fim do envio para outros países até o final deste ano.

A exploração desses solos representa dois terços das exportações ucranianas e cerca da metade do PIB do país. Com a reclassificação mundial, o Brasil passa a chamar a atenção das grandes potências globais da tecnologia.

“O empresário da mineração é muito tradicional no Brasil. Terras raras sempre ficou em segundo plano, dando espaço àquilo que é mais tradicional, como o minério de ferro, cobre e alumínio. Mas agora, com a discussão geopolítica, o mundo volta os olhos para o Brasil e é importante que o país explore e assuma o lugar de um grande produtor de terras raras”, explica a professora e pesquisadora Denise Bevilaqua, diretora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara (SP).

No Brasil, as atividades de extração estão concentradas no noroeste do Amazonas, no sul da Bahia e no Rio de Janeiro, mas houve comprovação de potencial significativo em novas áreas, como Araxá e Poços de Caldas, em Minas Gerais. Projetos para os novos locais de extração, além de fortalecer o Brasil no mercado global de minerais, têm a perspectiva de gerar empregos e impulsionar a economia local.

A demanda por terras raras cresce em altíssima velocidade. Em 2020 foram extraídas 240 mil toneladas na produção global. Em 2024, a extração chegou a cerca de 390 mil toneladas, segundo dados do serviço geológico dos Estados Unidos. A estimativa da Agência Internacional de Energia é que a demanda por terras raras aumentem cerca de sete vezes até 2040.

Segundo a U.S. Mineral Commodity Summaries, 35% do território brasileiro foi mapeado para potencial mineral. Mas o país enfrenta desafios para a extração de terras raras: o Brasil produz apenas 1% do panorama mundial.

“O Brasil precisa de investimentos nessa área. Compramos de outros países - e compramos caro - porque os que detêm a separação dos minerais impõem o valor como querem. O problema é a metodologia para a extração, conhecimento dominado pela China, como também a forma de aplicação na indústria de tecnologia”, explica o pesquisador Douglas Franco, do Instituto de Química da Unesp.

A falta de estruturas regulatórias claras é outro fator que dificulta investimento e desenvolvimento da atividade. O licenciamento de projetos de mineração pode levar até 16 anos. O Serviço Geológico do Brasil tem realizado projetos para avançar no conhecimento sobre terras raras no território nacional.

Em 2024 houve o lançamento de fundo de R$ 1 bilhão, com recursos do BNDES e da Vale, para o financiamento de projetos de pesquisa mineral. Em janeiro deste ano foi lançada a “chamada pública de planos de negócios para investimentos em transformação de minerais estratégicos”, com recursos de R$ 5 bilhões, pelo BNDES e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Brasil começa a fabricar ímãs de alta performance em Minas Gerais

Em maio, o Brasil começa a fabricar os chamados ímãs de terras raras - mais de 90% desses produtos são fabricados na China. Os ímãs brasileiros serão produzidos no Laboratório de Produção de Ímãs de Terras Raras, da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), que foi comprado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

O investimento foi de R$ 35 milhões. O laboratório fica na cidade de Lagoa Santa e tem parceria com 16 empresas, desde mineradoras produtoras de terras raras até companhias consumidoras.

A capacidade do laboratório é de 100 toneladas de ímãs por ano. Até dezembro, a expectativa inicial é que sejam produzidas 5 toneladas de imãs e que o aumento seja gradativo.

Na fabricação do componente são utilizados três dos 17 minerais de terras raras: Neodímio, Praseodímio e Disprósio. Uma torre eólica consome duas toneladas de concentrado dos minerais para os ímãs. Um motor elétrico utiliza mais de um quilo.

Reciclagem de terras raras pode ser a sergunda rota

Em meio aos conflitos internacionais, a reciclagem de terras raras passa a ser a segunda opção para o mercado global. Lâmpadas, computadores, celulares e outros dispositivos eletrônicos descartados contêm componentes que podem ser reaproveitados para novas aplicações.

Pesquisadores do Instituto de Química da Unesp (IQ-Unesp), trabalham no tema desde 1961 e desenvolveram uma metodologia chamada de “mineração urbana” para extrair o conteúdo. “Desenvolvemos mecanismos para tratar rejeitos de equipamentos eletrônicos, que possuem terras raras em grandes quantidades, e procuramos extrair e purificar essas substâncias”, explica o professor e pesquisador Sidney José Lima Ribeiro.

A partir de 2018, a pesquisa focou na recuperação do material a partir de lâmpadas fluorescentes descartadas. As terras raras compõem o pó que reveste os tubos de vidro e são as responsáveis por converter a radiação UV em luz visível.

“Utilizamos uma máquina que separa os componentes da lâmpada: o vidro, as partes metálicas e o pó, que contém diferentes terras raras, como o európio, o ítrio e o térbio. A partir daí, desenvolvemos metodologias para separar as terras raras do restante dos elementos indesejados”, afirma o pesquisador.

A reutilização de terras raras pode ser economicamente vantajosa ao Brasil. “A ocorrência natural tem até 20 vezes menor teor que os resíduos industriais, contendo terras raras. Aí a importância da economia circular, não ter que abrir minas, o que é uma atividade impactante. Reaproveitar o que já foi extraído e utilizado para voltar à cadeia de produção é uma questão inteligente”, defende a pesquisadora Denise Bevilaqua.

Fonte: Por Bruno Maffi