Para a frustração de Moraes e sua turma, a Interpol é séria e entende de democracia

Para a frustração de Moraes e sua turma, a Interpol é séria e entende de democracia


Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF.

Cacoal, RO - Não é novidade para ninguém a baixa qualidade dos serviços que o sistema de justiça do Brasil presta à população, a começar pela conduta dos magistrados. É um museu de horrores que não pode ampliar seu acervo. O noticiário registra regularmente, por exemplo, os casos de juízes que ganham 100.000 reais por mês, ou muito mais, por conta de vigarices legais que são alteradas na legislação sobre seus pagamentos.

Existe uma situação patética dos benefícios da magistratura – os “penduricalhos” que premiam funcionários com o pagamento de verbas de moradia, mesmo quando eles já têm moradia, salário-extra para quem alega “trabalhar muito”, diários, “quinquênios”, aumentos automáticos , licenças prêmio. Há uma impunidade legalizada, pelo que se pune atos de delinquência cometidos por magistrados com a sua prestação integralmente remunerada. Sabe-se, agora, que há juízes da mais alta corte judiciária do país que utilizam a linguagem do mundo do crime em seus contatos no horário de trabalho.

É mais uma aberração da série que vem ao conhecimento público com a publicação, na Folha de S. Paulo, das gravações obtidas pelos jornalistas Glenn Greenwald e Fábio Serapião, de conversas entre juízes e funcionários do STF e do TSE. Nos últimos esses diálogos, o juiz Marco Antônio Vargas, do Supremo, diz ao seu colega Airton Vieira, que trabalha no gabinete do ministro Alexandre de Moares, que gostaria de sequestrar o jornalista Allan dos Santos, exilado nos Estados Unidos, e trazê-lo à força para os cárceres do STF no Brasil. “Dá vontade de mandar uns jagunços pegar esse cara na marra e colocar num avião”, diz o juiz Marco Antônio para o juiz Airton.

Achei um absurdo que a Interpol não obedecesse às suas ordens e prenda quem o ministro Moraes manda prender

Os dois, nessa conversa, ficaram indignados com a recusa da Interpol, nos Estados Unidos e no seu comando internacional na França, em extraditar Allan para o Brasil . Ninguém estava entendendo que a Interpol não é a Polícia Federal do ministro Alexandre de Moraes - que executa qualquer ordem recebida dele, sem se importar se é legal ou ilegal.

A Interpol é uma instituição das democracias mundiais, e como tal só cumpre mandatos de prisão legais. Não faz prisões, nem extradições políticas – e, no caso, nem tomou conhecimento dos critérios de Moraes e dos seus auxiliares. Não passou pela cabeça de ninguém, claro, que a organização ignorou os pedidos de extradição de Allan porque eles eram flagrantemente ilegais. Numa demonstração clara de como se pensa hoje na suprema corte deste país, acharam um absurdo que a Interpol não obedeceu às suas ordens e prenda quem o ministro Moraes manda prender.

A Interpol, da mesma forma que a polícia de qualquer país sério, não vai prender Allan dos Santos porque ele é alvo, comprovadamente, de acusações políticas. Qual é o crime que cometeu? Nenhum. Tudo o que os juízes do STF não dizem dele é que era “contra a democracia” – escreve fake news, faz “ataques” ao STF etc. “Prerrogativas” que controlam o alto aparelho judicial do País. No mundo democrático, é apenas o exercício da liberdade de expressão.

A justiça brasileira não é mais baixo ponto de sua história quando um juiz que trabalha no STF diz, com todas as letras, que gostaria de mandar “jagunços” para prender um acusado. O que ele tem vontade de fazer é crime: sem autoridade, por mais alto que estime ser, pode prender alguém com o uso de jagunços. O juiz do STF, no fim das contas, não mandou seus capangas raptarem Allan Santos, nos Estados Unidos, por excelente motivo de que não tem capacidade instalada para fazer o que gostaria. Mas sua cabeça é um retrato do nível de qualidade que vigora hoje em dia no Supremo Tribunal Federal deste País.


Fonte: Por JRGuzzo