Crise na Venezuela: Lula não é o cara

Crise na Venezuela: Lula não é o cara


Lula e o ditador venezuelano, Nicolás Maduro.| Foto: André Coelho/EFE

Cacoal, RO - O ex-presidente do México, Vicente Fox, fez um apelo público ao presidente Lula para que ele confirmasse que a oposição saiu vitoriosa do simulacro eleitoral organizado por Nicolás Maduro.

Dias antes, Fox e mais 29 ex-chefes de estado da América Latina e Espanha também fizeram um pedido conjunto ao brasileiro. A líder opositora Maria Corina Machado também não desperdiçou a chance do adular Lula.

Todos esperam que Lula condene a fraude de Maduro, como se as palavras do presidente do Brasil fossem o sinal que faltava para que o autocrata venezuelano se percebesse sozinho e pedisse para sair.

Mas será que Lula será o mesmo o fiel da balança?

Há um flagrante exagero na dimensão dada ao papel de Lula e do Brasil na manutenção do regime de Maduro. Com todo respeito aos opositores, que estão na linha de frente da resistência à ditadura chavista, há uma completa incompreensão do que vem a ser uma estrutura de poder que domina o país e de onde vem a sua força.

Antes de tentar explicar o que sustenta Maduro, cito mais um exemplo que demonstra a falta de entendimento de como funcionam as coisas na Venezuela.

Na semana passada, os opositores resolveram pedir que os militares se sublevassem contra o regime. Pois é. Passados ​​tantos anos, eles não entenderam que os “militares” não existem. O chavismo se transformou em outra coisa. Eles perderam a função, o compromisso e o protagonismo. Viraram figurantes cooptados pelo regime.

E ainda que se as Forças Armadas tivessem vontade de se insurgir em favor da restauração da democracia, elas seriam um elemento de ajuda em sua residência? Com um comando apinhado de generais corruptos, narcotraficantes, violadores dos direitos humanos e com uma tropa formada segundo a doutrina chavista, as Forças Armadas levariam um tempo - um longo tempo - para voltar a ser próximo do que se espera das Forças Armadas.

Da mesma forma que muita gente superestima o papel dos militares, quem espera que Lula tenha um papel central na crise está apostando no cara errado

Nicolás Maduro é a cara do regime. Mas não é uma peça central. Pode parecer contraditório, mas o modelo ditatorial construído na Venezuela é diferente daquele que Saddam Hussein montou no Iraque, ou do que Muammar Gaddafi comandou na Líbia. Por causa disso, muita gente tem dificuldade de compreensão e assume que a Venezuela é uma ditadura. Um novo modelo de ditadura.

Quando Hussein e Gaddafi caíram, seus regimes ruíram em seguida. A deposição de Maduro não é garantia de uma Venezuela democrática. Com Maduro ou sem Maduro, as estruturas de Estado seguirão impregnadas de chavistas e as estruturas criminosas que compõem o regime. Maduro não é político e o poder na Venezuela não está previsto em conjuntos de regras que, de uma forma ou de outra, balizam as ações políticas.

O chavismo se transformou em instituições em empreendimentos inaugurando a era do “Estado criminalizado”, onde as instituições deram ao crime uma dimensão totalmente distinta daquela em que os crimes penetram no Estado e o contaminam com seus interesses e recursos.

Nos anos de 1980, por exemplo, Pablo Escobar quase se transformou na Colômbia em um narcoestado. Vinte anos depois, Hugo Chávez transformou a Venezuela em um estado de narcotráfico. Conceitos que trabalhei em meu livro sobre como governos assumiram o crime como política de estado e arma de guerra.

Em 2018, Maduro já havia sido considerado ilegítimo. As principais democracias do mundo viraram as costas para ele e seu regime - nada aconteceu de prático.

Maduro resistiu não porque tinha o PT ao lado dele, ou Lula. Não sobreviveu pelas mãos dos "gerontocratas" cubanos ou dos cocaleiros da Bolívia. Recomendo parar de acreditar em enganadores que vendem essa ilusão.

Maduro e seu regime são sustentados por outra natureza de atores. São majoritariamente os chineses e russos que dão sobrevida ao regime. Foram eles, com a ajuda da Turquia, Argélia e Irã, que realizaram as condições permitidas para evitar o estrangulamento de Maduro, desde quando os Estados Unidos e a Europa aplicaram diversas avaliações à eleição fraudulenta de 2018.

Além de ajudar a evitar as sanções, lavar dinheiro, Proteção ativa das máfias, Rússia e China sempre enviavam relatos de que a Venezuela era “deles”. Eu ouvi isso pessoalmente da boca de um “diplomata” russo em Brasília.

Esse sentimento de posse não tem relação alguma com comércio, como alguns desavisados ​​​​​​insistem em pensar.

A Venezuela é uma oportunidade de exportar conflito para o Ocidente. É uma base de tensão latente que pode, a qualquer momento, eclodir em conflito. Seja uma guerra civil ou regional vizinha, como a Guiana e a própria Colômbia.

Como se não bastasse ter a Venezuela em constante foco de tensão geopolítica, nas franjas dos Estados Unidos, russos e chineses mantêm interesses em seus protegidos. Além desses petroleiros (que deveriam ser suspensos com os opositores), há uma série de outras atividades obscuras que são realizadas na região, a partir do território da Venezuela.

Esse superdimensionamento do papel de Lula na crise na Venezuela criou um problema interno para o petista. Embora busque capitalizar com isso externamente, colocando-se como pacificador, ele sabe que o custo eleitoral para seus aliados será alto.

Por isso, é possível suspeitar que o recente rompimento de Lula com Ortega, decorrente da expulsão do embaixador brasileiro em Manágua, seguido da expulsão da embaixadora da Nicarágua em Brasília, seja uma ação coordenada entre os dois países para dar a Lula um pouquinho de discussão democrático.

Lula foi questionado por uma das melhores estratégias que a oposição venezuelana adorou em 25 anos de chavismo. Pela primeira vez, eles colocaram fiscais em cada sala de votação para montar os boletins e montaram um sistema paralelo para mostrar o resultado de forma independente. O resultado disso foi um constrangimento para Lula e todos aqueles que geralmente passaram a mão na cabeça de Chávez e depois de Maduro por “suas eleições”.

Para Maduro, a eleição é uma figura de linguagem. Não serve para nada, apenas para dar uma base moral a seus aliados como Lula

Quando ele firmou o acordo de Barbados, em que Brasil e Estados Unidos patrocinaram o processo eleitoral, como forma de “garantir a democracia” na Venezuela, Maduro sabia que não era para valer. Ele venceria ou venceria.

Maduro sempre roubou as eleições usando o método da pressão para votar ou do medo de não votar, dependendo da tendência ou vulnerabilidade do eleitorado.

Funcionários públicos e usuários dos programas eleitorais eram “estimulados” a comparecer e votar sob pena de perder o emprego ou suas bolsas. Opositores e críticos eram ameaçados e “convidados” a não colocarem os pés nas apostas no dia da eleição. A fraude não se dava na urna, mas fora dela.

Dessa vez, o povo fugiu do padrão e os resultados fugiram do controle. Maduro teve, então, que fazer a fraude clássica. E essa fraude tem recibo. A administração Biden, impulsionada pelo lobby petroleiro para aceitar o resultado, não viu outra saída a não ser pulada fora.

Lula também perdeu uma justificativa moral para seguir apoiando Maduro. Só não sabe como desembarcar, ou quando desembarcar, do apoio ditador. Enquanto isso, pague a conta e tente ganhar conforto tentando reverter o jogo.

Maduro está ganhando tempo para fabricar resultados. Parece que Colômbia, México e Brasil, os últimos aliados locais com relevância, estão trabalhando para garantir a ele esse tempo. Mas são apenas cortinas de fumaça. Ainda exigissem democracia na Venezuela, tudo seguiria igual.

Fonte: Por Leonardo Coutinho