O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad: piora fiscal, fragilidade do ministro e inflação ameaçam viabilidade do governo e a própria reeleição do presidente.| Foto: José Cruz/Agência Brasil.
Cacoal, RO - Em seu pior momento desde que assumiu o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad tem pela frente um duplo desafio: convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da necessidade do equilíbrio das contas públicas e resgatar sua credibilidade no mercado como fiador do arcabouço fiscal. Caso contrário, o cenário econômico que se configura é arriscado e suas consequências têm potencial de comprometer a reeleição de Lula.
A reação unânime do empresariado e do Congresso contra a Medida Provisória 1.227 – a MP "do Equilíbrio Fiscal" para o governo e "do Fim do Mundo" para os críticos – mostrou o esgotamento da estratégia de Haddad de fazer o ajuste das contas públicas só pela arrecadação. A "sanha arrecadatória" do governo foi criticada até por setores mais alinhados ao governo, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Com a MP, o governo esperava arrecadar mais de R$ 29 bilhões neste ano por meio da limitação do uso de créditos tributários do PIS/Cofins pelas empresas. O objetivo era compensar a renúncia fiscal com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores.
A MP acabou devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), medida considerada drástica que deu o tom da derrota do governo. Foi o primeiro grande revés da agenda econômica. Até então, o Executivo só havia sofrido maiores percalços nas pautas de costumes.
No ano passado, a agenda de Haddad contou com a boa vontade dos parlamentares, que aprovaram medidas que ajudaram a arrecadação crescer 8% em termos reais no primeiro trimestre deste ano. Agora, os parlamentares deram o recado de que não estão dispostos a colaborar com o aumento da carga tributária.
Mercado vê Haddad fragilizado
Haddad primeiro disse que não tem "um plano B" para compensar a desoneração, mas nesta quinta-feira (13) moderou o tom. Fato é que ele terá de negociar com o Congresso para "encontrar" os R$ 26 bilhões necessários para compensar a perda de arrecadação com a desoneração da folha.
Tão importante quanto alcançar uma solução negociada é a sinalização do governo sobre o equilíbrio das contas. O ministro da Fazenda e a titular do Planejamento, Simone Tebet, têm sido vozes isoladas no quesito responsabilidade fiscal.
O mercado vê o presidente Lula sem compromisso com ajuste e Haddad enfraquecido no embate interno. Ministros palacianos como Rui Costa, da Casa Civil, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, são refratários ao corte de despesas, sobretudo em ano eleitoral (leia mais adiante).
Lula, que já revelou ficar irritado com as discussões sobre o déficit fiscal, parece pouco disposto a encarar o problema, apesar do desgaste com a MP 1.227. Na quarta-feira (12), em evento no Rio de Janeiro, o mandatário reafirmou que o aumento da arrecadação do governo federal é o foco da gestão. Não disse nenhuma palavra sobre cortes de despesas.
“Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal. O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público”, disse.
O mercado reagiu mal à fala do presidente. A Bolsa de Valores caiu e o dólar beirou os R$ 5,43, fechando o dia em R$ 5,40.
Desafio de Haddad é convencer Lula
"O desafio de Haddad [de convencer Lula sobre a necessidade do ajuste] é imenso", avalia o cientista político e consultor João Lucas Moreira Pires. "Lula só se disporia a isso se, pragmaticamente, o seu mandato estivesse em risco. O desgaste da situação [com a MP 1.227] ainda não provocou um choque de realidade."
Por outro lado, Moreira Pires acredita que a permanência do ministro e seu fortalecimento são vitais para a estabilidade do governo: "Haddad ainda é bem visto pelo mercado como ponte de interlocução com o governo. O custo político de sua demissão seria muito alto".
O desgaste político de Haddad não interessa ao mercado ou ao governo Lula. Após rumores sobre sua demissão, nesta quarta-feira (12), líderes governistas se apressaram em defender sua permanecia no cargo. O próprio senador Jacques Wagner (PT-BA), que elogiou a devolução da MP por Pacheco, explicitando divergências internas com o ministro, foi um deles.
"Eu prefiro dizer que quem contratou e quem demite não está pensando nisso [em demissão]. Nem o Haddad está pensando nisso. Agora, as pessoas adoram especular", disse Wagner a jornalistas.
Nesta quinta, em aparente aceno para acalmar os ânimos, Lula disse que Haddad é um ministro "extraordinário" e que desconhece pressões sobre o titular da Fazenda.
O governo sabe que o perfil moderado de Haddad agrada ao mercado. Mas os riscos estão no radar.
“O mercado teme o que aconteceu com o Joaquim Levy: uma guinada à esquerda [do governo] que levou a uma elevação do prêmio de risco”, resumiu Tony Volpon, economista e ex-diretor do Banco Central, ao site InvestNews.
Levy, ministro da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), tinha o apoio do mercado mas não conseguiu executar toda sua agenda. O ministro deixou o cargo no fim de 2015 e a presidente sofreu impeachment em meados do ano seguinte.
Economia e inflação acentuam desgaste de Haddad e Lula
Segundo economistas consultados pela Gazeta do Povo, o cenário econômico intrincado e a fragilidade do ministro Haddad comprometem a viabilidade do governo e põem em risco a própria reeleição de Lula.
"O quadro macroeconômico é arriscado para as pretensões políticas do governo, especialmente pela percepção de inflação crescente que se consolida", diz a economista Zeina Latif.
Ao mesmo tempo, desde antes da MP 1.227, o ministro já vinha mostrando sinais de fraqueza e acumulando frases infelizes que reforçaram os temores dos agentes econômicos.
Uma delas foi sobre a meta de inflação, que ele classificou como "inatingível" e "inalcançável" em maio, em audiência pública na Câmara dos Deputados. A repercussão negativa obrigou o ministro a se explicar.
"Em nenhum momento foi cogitado mudar a meta da inflação. Defendo que seja contínua como é em todo mundo, com exceção de dois países, porque é mais inteligente do que a meta ano-calendário", disse Haddad no dia seguinte ao Valor Econômico.
A explicação não foi suficiente para contornar a crise de credibilidade da equipe econômica e do ministro que, desde então, só se agravou. "Os agentes já estão bastante preocupados. Se [o governo] não vai mudar a meta, por que [Haddad] falou no assunto? Foi uma atrapalhada que acabou custando caro", afirma a economista Zeina Latif.
Inflação é alimentada pelo desajuste fiscal
Parte importante do avanço dos preços e das expectativas de inflação é alimentada pelo desajuste das contas públicas. O déficit nominal do setor público atingiu o recorde de R$ 1,043 trilhão no acumulado de 12 meses até abril.
Foi também em abril, com a mudança da meta do arcabouço fiscal para 2025, que o processo de desgaste de Haddad começou a se aprofundar. A ideia era alcançar o superávit primário – sobra de recursos antes do pagamento da dívida – já no ano que vem. O objetivo foi rebaixado para déficit zero.
Em sua fala na Câmara, em maio, o ministro culpou o governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), pelo déficit primário. Era uma referência ao pagamento de compensação aos estados por perdas de arrecadação – decorrentes do teto do ICMS proposto pela gestão Bolsonaro – e a quitação de precatórios atrasados.
Mas, mesmo descontando o efeito dessa "herança", o governo Lula teria registrado déficit de mais de R$ 100 bilhões no ano passado.
Para João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria, as declarações de Haddad misturaram uma série de efeitos e assuntos que não explicam a piora das contas do governo.
"O ministro não está de todo errado em dizer que a situação fiscal já estava comprometida mesmo antes do início do governo", diz. "Porém, a agenda do governo Lula, não incluída no discurso, também foi determinante para a piora da situação."
Entre os erros cometidos pelo atual governo estão o aumento do tíquete médio do Bolsa Família e a retomada da política de aumento real do salário mínimo, que acelera despesas com benefícios sociais e a Previdência, novamente combalida após apenas quatro anos da reforma.
"A gente observa que essas despesas estão crescendo em um ritmo muito acelerado. Apesar do impacto positivo gerado pelas medidas de arrecadação aprovadas pelo Congresso desde o ano passado, a conta ainda não fecha. A receita líquida subiu pouco mais de 8% no primeiro trimestre, enquanto a despesa cresce na casa dos 13%", diz o analista.
No lado das despesas, a discussão sobre cortes enfrenta resistência clara de grande parte do governo e do PT, que não veem a responsabilidade fiscal como prioridade ou mesmo necessidade.
Haddad chegou a sugerir a leitura de um artigo sobre o tema e a ministra Simonte Tebet pegou carona, sugerindo a revisão da vinculação do salário mínimo aos benefícios previdenciários.
Tebet foi fortemente atacada nas redes socias pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e enfrentou o desgaste junto a ministros palacianos. E Haddad não a defendeu.
"[O ministro] Haddad recuou e a ministra ficou isolada com o ônus da proposta", disse o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, à BM&C News.
Para Leme, a discussão do corte de despesas tem poucas chances de avançar neste governo. "Há um abismo de distância entre a equipe econômica e a ala do PT mais alinhadas às pautas sociais. Um cabo de guerra permanente."
Nesta quarta-feira (12), em pleno imbróglio da repercussão sobre a "MP do Fim do Mundo", Tebet disse que “as fontes de novas receitas estão se esgotando” e reforçou a necessidade de rever gastos do governo. Mas recuou em sua proposta de desvincular o reajuste da aposentadoria do salário mínimo.
Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, a ministra disse que a ideia é "modernizar" os benefícios previdenciários e trabalhistas.
Pressão de Lula sobre o Banco Central preocupa
A piora do ambiente fiscal tem sido agravada pela incerteza da política monetária e desancorado as expectativas do mercado. Do lado monetário, as falas de Haddad sobre a meta de inflação contribuíram para a desconfiança sobre a leniência em relação ao avanço de preços, num momento em que se discute a troca de comando do Banco Central.
O atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, deixa o cargo na virada do ano e será substituído por um escolhido de Lula, que já explicitou diversas vezes seu desejo por juros mais baixos.
A desconfiança se acentuou após a decisão dividida do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a redução da taxa de juros, em maio. Os indicados por Lula ao Copom votaram por uma redução maior da taxa, de 0,5 ponto percentual, enquanto integrantes indicados por Bolsonaro votaram por uma queda de 0,25 ponto.
"Houve teve uma divisão que levantou a suspeita de pressão política no Banco Central. O mercado está muito mais sensível desde então", afirma Latif. "É incrível que [os diretores do BC] não tenham pensado no desgaste que a divisão traria. E não adianta ata do Copom para explicar. Não é uma página virada."
Politica mais "frouxa" compromete inflação
O receio do mercado é que se desde agora, na gestão de Campos Neto, o BC começar a "mirar" uma meta mais frouxa, com a nova direção será ainda pior.
O ex-presidente do BC Armínio Fraga, que apoiou a eleição de Lula, criticou a pressão do governo. "Esse discurso assim mais frouxo na política monetária só atrapalha, porque fica a desconfiança, e o custo aumenta. É uma tristeza ver como a coisa está sendo conduzida, as pressões políticas explícitas, os ataques ao BC, a ideia de que responsabilidade fiscal é uma grande maldade", disse em entrevista à Folha de S.Paulo.
Fraga também corroborou a preocupação com a troca de comando do banco e o risco político. "Se quem entrar se meter a besta, a inflação começar a subir e o mercado perder a confiança, vai ser um grande fiasco político, inclusive, e rápido", previu.
Contas desequilibradas e inflação geram risco à reeleição de Lula
Zeina Latif acredita que o papel prioritário do ministro da Fazenda deve ser o de convencer Lula da necessidade das contas públicas em ordem. "Isso é entre ele é o presidente", diz.
Na terça-feira (11), Haddad avisou a jornalistas de que apresentará a Lula propostas para uma nova fórmula de correção para os gastos com saúde e educação, que estão entre as principais fontes de pressão sobre o arcabouço fiscal. A questão é que o próprio ministro admitiu que o presidente "pode aceitar ou não".
"Não dá muito certo apontar o problema sem atentar para as soluções", ressalta Latif. "A mensagem que passa é 'olha, tem este problema, mas eu não tenho como resolver'. Quando o ministro fala, tem que apontar o caminho, e rápido."
Na avaliação da economista, a estratégia de deixar as contas desequilibradas é muito arriscada. Por enquanto, o governo tem se ancorado num crescimento modesto do PIB, graças a incentivos não sustentáveis no longo prazo, e num panorama externo favorável ou, no mínimo, neutro. Mas o quadro é de vulnerabilidade e pode comprometer a continuidade do atual governo.
"Não é preciso chegar numa situação de descontrole para a sociedade começar a sentir os efeitos da inflação e se incomodar com isso. A economia patina, os juros não caem, a inflação machuca", enfatiza.
Para ela, parte da derrota de Bolsonaro em 2022 se deveu à inflação mais alta, sentida pela classe média, especialmente no Sudeste. "Não é uma população que depende de Bolsa Família ou salário mínimo. A classe média quer consumir e planejar seu consumo. A inflação tira isso de todos", finaliza.
Fonte: Por Rose Amantéa
A reação unânime do empresariado e do Congresso contra a Medida Provisória 1.227 – a MP "do Equilíbrio Fiscal" para o governo e "do Fim do Mundo" para os críticos – mostrou o esgotamento da estratégia de Haddad de fazer o ajuste das contas públicas só pela arrecadação. A "sanha arrecadatória" do governo foi criticada até por setores mais alinhados ao governo, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Com a MP, o governo esperava arrecadar mais de R$ 29 bilhões neste ano por meio da limitação do uso de créditos tributários do PIS/Cofins pelas empresas. O objetivo era compensar a renúncia fiscal com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores.
A MP acabou devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), medida considerada drástica que deu o tom da derrota do governo. Foi o primeiro grande revés da agenda econômica. Até então, o Executivo só havia sofrido maiores percalços nas pautas de costumes.
No ano passado, a agenda de Haddad contou com a boa vontade dos parlamentares, que aprovaram medidas que ajudaram a arrecadação crescer 8% em termos reais no primeiro trimestre deste ano. Agora, os parlamentares deram o recado de que não estão dispostos a colaborar com o aumento da carga tributária.
Mercado vê Haddad fragilizado
Haddad primeiro disse que não tem "um plano B" para compensar a desoneração, mas nesta quinta-feira (13) moderou o tom. Fato é que ele terá de negociar com o Congresso para "encontrar" os R$ 26 bilhões necessários para compensar a perda de arrecadação com a desoneração da folha.
Tão importante quanto alcançar uma solução negociada é a sinalização do governo sobre o equilíbrio das contas. O ministro da Fazenda e a titular do Planejamento, Simone Tebet, têm sido vozes isoladas no quesito responsabilidade fiscal.
O mercado vê o presidente Lula sem compromisso com ajuste e Haddad enfraquecido no embate interno. Ministros palacianos como Rui Costa, da Casa Civil, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, são refratários ao corte de despesas, sobretudo em ano eleitoral (leia mais adiante).
Lula, que já revelou ficar irritado com as discussões sobre o déficit fiscal, parece pouco disposto a encarar o problema, apesar do desgaste com a MP 1.227. Na quarta-feira (12), em evento no Rio de Janeiro, o mandatário reafirmou que o aumento da arrecadação do governo federal é o foco da gestão. Não disse nenhuma palavra sobre cortes de despesas.
“Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal. O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público”, disse.
O mercado reagiu mal à fala do presidente. A Bolsa de Valores caiu e o dólar beirou os R$ 5,43, fechando o dia em R$ 5,40.
Desafio de Haddad é convencer Lula
"O desafio de Haddad [de convencer Lula sobre a necessidade do ajuste] é imenso", avalia o cientista político e consultor João Lucas Moreira Pires. "Lula só se disporia a isso se, pragmaticamente, o seu mandato estivesse em risco. O desgaste da situação [com a MP 1.227] ainda não provocou um choque de realidade."
Por outro lado, Moreira Pires acredita que a permanência do ministro e seu fortalecimento são vitais para a estabilidade do governo: "Haddad ainda é bem visto pelo mercado como ponte de interlocução com o governo. O custo político de sua demissão seria muito alto".
O desgaste político de Haddad não interessa ao mercado ou ao governo Lula. Após rumores sobre sua demissão, nesta quarta-feira (12), líderes governistas se apressaram em defender sua permanecia no cargo. O próprio senador Jacques Wagner (PT-BA), que elogiou a devolução da MP por Pacheco, explicitando divergências internas com o ministro, foi um deles.
"Eu prefiro dizer que quem contratou e quem demite não está pensando nisso [em demissão]. Nem o Haddad está pensando nisso. Agora, as pessoas adoram especular", disse Wagner a jornalistas.
Nesta quinta, em aparente aceno para acalmar os ânimos, Lula disse que Haddad é um ministro "extraordinário" e que desconhece pressões sobre o titular da Fazenda.
O governo sabe que o perfil moderado de Haddad agrada ao mercado. Mas os riscos estão no radar.
“O mercado teme o que aconteceu com o Joaquim Levy: uma guinada à esquerda [do governo] que levou a uma elevação do prêmio de risco”, resumiu Tony Volpon, economista e ex-diretor do Banco Central, ao site InvestNews.
Levy, ministro da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), tinha o apoio do mercado mas não conseguiu executar toda sua agenda. O ministro deixou o cargo no fim de 2015 e a presidente sofreu impeachment em meados do ano seguinte.
Economia e inflação acentuam desgaste de Haddad e Lula
Segundo economistas consultados pela Gazeta do Povo, o cenário econômico intrincado e a fragilidade do ministro Haddad comprometem a viabilidade do governo e põem em risco a própria reeleição de Lula.
"O quadro macroeconômico é arriscado para as pretensões políticas do governo, especialmente pela percepção de inflação crescente que se consolida", diz a economista Zeina Latif.
Ao mesmo tempo, desde antes da MP 1.227, o ministro já vinha mostrando sinais de fraqueza e acumulando frases infelizes que reforçaram os temores dos agentes econômicos.
Uma delas foi sobre a meta de inflação, que ele classificou como "inatingível" e "inalcançável" em maio, em audiência pública na Câmara dos Deputados. A repercussão negativa obrigou o ministro a se explicar.
"Em nenhum momento foi cogitado mudar a meta da inflação. Defendo que seja contínua como é em todo mundo, com exceção de dois países, porque é mais inteligente do que a meta ano-calendário", disse Haddad no dia seguinte ao Valor Econômico.
A explicação não foi suficiente para contornar a crise de credibilidade da equipe econômica e do ministro que, desde então, só se agravou. "Os agentes já estão bastante preocupados. Se [o governo] não vai mudar a meta, por que [Haddad] falou no assunto? Foi uma atrapalhada que acabou custando caro", afirma a economista Zeina Latif.
Inflação é alimentada pelo desajuste fiscal
Parte importante do avanço dos preços e das expectativas de inflação é alimentada pelo desajuste das contas públicas. O déficit nominal do setor público atingiu o recorde de R$ 1,043 trilhão no acumulado de 12 meses até abril.
Foi também em abril, com a mudança da meta do arcabouço fiscal para 2025, que o processo de desgaste de Haddad começou a se aprofundar. A ideia era alcançar o superávit primário – sobra de recursos antes do pagamento da dívida – já no ano que vem. O objetivo foi rebaixado para déficit zero.
Em sua fala na Câmara, em maio, o ministro culpou o governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), pelo déficit primário. Era uma referência ao pagamento de compensação aos estados por perdas de arrecadação – decorrentes do teto do ICMS proposto pela gestão Bolsonaro – e a quitação de precatórios atrasados.
Mas, mesmo descontando o efeito dessa "herança", o governo Lula teria registrado déficit de mais de R$ 100 bilhões no ano passado.
Para João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria, as declarações de Haddad misturaram uma série de efeitos e assuntos que não explicam a piora das contas do governo.
"O ministro não está de todo errado em dizer que a situação fiscal já estava comprometida mesmo antes do início do governo", diz. "Porém, a agenda do governo Lula, não incluída no discurso, também foi determinante para a piora da situação."
Entre os erros cometidos pelo atual governo estão o aumento do tíquete médio do Bolsa Família e a retomada da política de aumento real do salário mínimo, que acelera despesas com benefícios sociais e a Previdência, novamente combalida após apenas quatro anos da reforma.
"A gente observa que essas despesas estão crescendo em um ritmo muito acelerado. Apesar do impacto positivo gerado pelas medidas de arrecadação aprovadas pelo Congresso desde o ano passado, a conta ainda não fecha. A receita líquida subiu pouco mais de 8% no primeiro trimestre, enquanto a despesa cresce na casa dos 13%", diz o analista.
No lado das despesas, a discussão sobre cortes enfrenta resistência clara de grande parte do governo e do PT, que não veem a responsabilidade fiscal como prioridade ou mesmo necessidade.
Haddad chegou a sugerir a leitura de um artigo sobre o tema e a ministra Simonte Tebet pegou carona, sugerindo a revisão da vinculação do salário mínimo aos benefícios previdenciários.
Tebet foi fortemente atacada nas redes socias pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e enfrentou o desgaste junto a ministros palacianos. E Haddad não a defendeu.
"[O ministro] Haddad recuou e a ministra ficou isolada com o ônus da proposta", disse o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, à BM&C News.
Para Leme, a discussão do corte de despesas tem poucas chances de avançar neste governo. "Há um abismo de distância entre a equipe econômica e a ala do PT mais alinhadas às pautas sociais. Um cabo de guerra permanente."
Nesta quarta-feira (12), em pleno imbróglio da repercussão sobre a "MP do Fim do Mundo", Tebet disse que “as fontes de novas receitas estão se esgotando” e reforçou a necessidade de rever gastos do governo. Mas recuou em sua proposta de desvincular o reajuste da aposentadoria do salário mínimo.
Em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, a ministra disse que a ideia é "modernizar" os benefícios previdenciários e trabalhistas.
Pressão de Lula sobre o Banco Central preocupa
A piora do ambiente fiscal tem sido agravada pela incerteza da política monetária e desancorado as expectativas do mercado. Do lado monetário, as falas de Haddad sobre a meta de inflação contribuíram para a desconfiança sobre a leniência em relação ao avanço de preços, num momento em que se discute a troca de comando do Banco Central.
O atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, deixa o cargo na virada do ano e será substituído por um escolhido de Lula, que já explicitou diversas vezes seu desejo por juros mais baixos.
A desconfiança se acentuou após a decisão dividida do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a redução da taxa de juros, em maio. Os indicados por Lula ao Copom votaram por uma redução maior da taxa, de 0,5 ponto percentual, enquanto integrantes indicados por Bolsonaro votaram por uma queda de 0,25 ponto.
"Houve teve uma divisão que levantou a suspeita de pressão política no Banco Central. O mercado está muito mais sensível desde então", afirma Latif. "É incrível que [os diretores do BC] não tenham pensado no desgaste que a divisão traria. E não adianta ata do Copom para explicar. Não é uma página virada."
Politica mais "frouxa" compromete inflação
O receio do mercado é que se desde agora, na gestão de Campos Neto, o BC começar a "mirar" uma meta mais frouxa, com a nova direção será ainda pior.
O ex-presidente do BC Armínio Fraga, que apoiou a eleição de Lula, criticou a pressão do governo. "Esse discurso assim mais frouxo na política monetária só atrapalha, porque fica a desconfiança, e o custo aumenta. É uma tristeza ver como a coisa está sendo conduzida, as pressões políticas explícitas, os ataques ao BC, a ideia de que responsabilidade fiscal é uma grande maldade", disse em entrevista à Folha de S.Paulo.
Fraga também corroborou a preocupação com a troca de comando do banco e o risco político. "Se quem entrar se meter a besta, a inflação começar a subir e o mercado perder a confiança, vai ser um grande fiasco político, inclusive, e rápido", previu.
Contas desequilibradas e inflação geram risco à reeleição de Lula
Zeina Latif acredita que o papel prioritário do ministro da Fazenda deve ser o de convencer Lula da necessidade das contas públicas em ordem. "Isso é entre ele é o presidente", diz.
Na terça-feira (11), Haddad avisou a jornalistas de que apresentará a Lula propostas para uma nova fórmula de correção para os gastos com saúde e educação, que estão entre as principais fontes de pressão sobre o arcabouço fiscal. A questão é que o próprio ministro admitiu que o presidente "pode aceitar ou não".
"Não dá muito certo apontar o problema sem atentar para as soluções", ressalta Latif. "A mensagem que passa é 'olha, tem este problema, mas eu não tenho como resolver'. Quando o ministro fala, tem que apontar o caminho, e rápido."
Na avaliação da economista, a estratégia de deixar as contas desequilibradas é muito arriscada. Por enquanto, o governo tem se ancorado num crescimento modesto do PIB, graças a incentivos não sustentáveis no longo prazo, e num panorama externo favorável ou, no mínimo, neutro. Mas o quadro é de vulnerabilidade e pode comprometer a continuidade do atual governo.
"Não é preciso chegar numa situação de descontrole para a sociedade começar a sentir os efeitos da inflação e se incomodar com isso. A economia patina, os juros não caem, a inflação machuca", enfatiza.
Para ela, parte da derrota de Bolsonaro em 2022 se deveu à inflação mais alta, sentida pela classe média, especialmente no Sudeste. "Não é uma população que depende de Bolsa Família ou salário mínimo. A classe média quer consumir e planejar seu consumo. A inflação tira isso de todos", finaliza.
Fonte: Por Rose Amantéa